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Qual a relação entre Trombose e o Covid –19?
Muitos pacientes, e também seguidores das minhas mídias sociais, têm me perguntado sobre a associação entre Covid e Trombose, tema amplamente divulgado pela imprensa do Brasil e do mundo nos últimos meses. As perguntas são diversas. Recebo desde curiosidade em relação ao tema até mensagens de pessoas que tiveram trombose recentemente e ainda estão em tratamento com anticoagulantes ou de outras que já finalizaram a medicação.
A Trombose por si só tem gerado medo na população. Quando se pensa na possibilidade deste mal vir associado ao coronavirus, tenho percebido que o assunto é capaz de desencadear pânico.
Meu intuito aqui é combater o primeiro grande vilão: a desinformação. Por isso tentarei explicar de uma forma simples qual a relação entre estas duas doenças e como agir diante deste desafio mundial que se instalou no Brasil desde março de 2020.
Trombose
Trombose é a formação anormal de um coágulo dentro dos vasos ( veias ou artérias). De acordo com o médico Rudolf Virchow, isto pode ocorrer por três fatores: lesão da parede do vaso, estase venosa e hipercoagulabilidade.
Trombose na artéria:
As artérias são responsáveis por levar oxigênio e nutrientes para as as células de todo o corpo. Para cumprir esta função, o sangue é bombeado pelo coração para os orgãos. Uma trombose na artéria, quando presente, obstrui esta passagem e ocasiona a isquemia. A isquemia por sua vez, gera hipóxia ( falta de oxigênio). Como falta oxigênio e nutrientes, as células deste local sofrem e podem necrosar. Isto é o que ocorre na trombose arterial.
A trombose recebe diferentes nomes, de acordo com a região do corpo atingida:
1- Coração – Infarto Agudo do Miocárdio ( IAM)
2- Pulmão – Embolia Pulmonar (TEP)
3- Cérebro – Acidente Vascular Cerebral ( AVC)
4- Membros – Tromboembolia (OAA)
5- Intestinos – Isquemia Mesentérica
Trombose na veia:
Já as veias são responsáveis por levar de volta o sangue que a artéria trouxe para a célula. A formação de um coágulo dentro da veia chama-se Trombose Venosa Profunda ( veias profundas) ou Tromboflebite (veias superficiais). Este trombo, então, impede o retorno do sangue e vai se acumulando, aumentando a trombose e represando o sangue, ocasionando dor, inchaço e vermelhidão. O maior problema deste coágulo é quando ocorre o seu desprendimento, levado- o até o pulmão, ocasionando com isso a Embolia Pulmonar.
Covid – 19 (Corona Vírus Disease) 2019
Covid – 19 é uma infecção ocasionada pelo vírus coronavirus ( SARS-CoV-2) Tem este nome pois se parece com uma coroa. Inicialmente identificado em uma feira de Wuhan na China, foi transmitido pessoa a pessoa, alcançando o mundo.
O virus, em contato com uma pessoa, pode desenvolver ou não o Covid. Isto depende basicamente de dois fatores, uma suscetibilidade pessoal e a imunidade.
Desenvolvendo o Covid, há um espectro clínico variando de infecções assintomáticas à quadros graves. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a maioria (cerca de 80%) dos pacientes com COVID-19 podem ser assintomáticos ou oligossintomáticos (poucos sintomas), e aproximadamente 20% dos casos detectados requer atendimento hospitalar por apresentarem dificuldade respiratória, dos quais aproximadamente 5% podem necessitar de suporte ventilatório.
O vírus tem predileção pelas vias aéreas, mas também pode atingir outros orgãos como o trato gastro intestinal, muscular e vasos sangíneos. Nas vias aéreas produz sintomas gripais leves até pneumonias, caracterizando uma inflamação que aparece nos exames de tomografia como vidro fosco
Sintomas mais comuns :
- Febre, que pode estar presente no momento do exame clínico ou referida pelo paciente (sensação febril) de ocorrência recente.
- Sintomas do trato respiratório (por exemplo, tosse, dispneia, coriza, dor de garganta)
- Outros sintomas consistentes incluindo, mialgias, distúrbios gastrointestinais (diarreia/náuseas/vômitos), perda ou diminuição do olfato (anosmia) ou perda ou diminuição do paladar (ageusia).
- Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Nesta síndrome o indivíduo apresenta-se em franca dispneia/desconforto respiratório/dificuldade para respirar com saturação de oxigênio (O2) menor do que 95% em ar ambiente ou coloração azulada dos lábios ou rosto (cianose) ou ainda queixa de pressão persistente no tórax.
Trombose x Covid –19
Como salientado anteriormente, existem diferentes espectros clínicos da Covid – 19. Em casos mais graves ( 20% dos infectados) ocorre um processo inflamatório intenso (tempestade de citocinas) com consequente ativação plaquetária, disfunção endotelial e estase. Nestes casos mais graves existe uma maior tendência a desenvolver trombose.
Existe algum exame para detectar estes casos mais graves?
O D-dímero é um marcador indireto da geração de trombina, estando aumentado em situações de ativação da coagulação. Alguns autores observaram que a piora clínica e radiológica dos pacientes foi marcada pelo aumento expressivo do D-dímero, o que pode representar uma interação cruzada entre inflamação e coagulação: a inflamação induz a coagulação que, por sua vez, acentua o processo inflamatório.
Esta inflamação intensa geralmente ocorre por volta de dez dias de infecção. Portanto, um médico deve sempre estar acompanhando a evolução, e qualquer alteração deve ser informada.
Orientações para casos leves acompanhados em casa
1- Alimentação leve e saudável (e preferência uma alimentação anti-inflamatória)
2- Hidratação intensa: 2-3 litros de água por dia
3- Movimentação constante: alongamentos e caminhadas leves
4- Atentos à evolução dos sinais e sintomas: em relação à trombose, alteração de coloração de dedos e membros e edema.
Existe Prevenção para casos Graves?
Anticoagulação profilática na Covid-19
- Os pacientes hospitalizados com Covid 19 devem ser avaliados regularmente com plaquetometria, coagulograma, fibrinogênio e D-dímero, além de Doppler venoso de membros inferiores a cada 4 -5 dias (ou na suspeita de trombose venosa profunda);
- Anticoagulação profilática deve ser considerada em todos os pacientes internados com Covid- 19, mesmo aqueles não críticos, na ausência de contraindicação, devendo ser mantida durante todo o período de hospitalização;
No momento da alta hospitalar, pode considerar manter a anticoagulação profilática em domicílio para casos selecionados. A heparina de baixo peso molecular é a droga de escolha e parece ter papel nos dois processos (efeitos anticoagulante e anti-inflamatório).
Referência Bibliográfica:
Ministério da Saúde – https://coronavirus.saude.gov.br/
OMS – https://www.who.int/
Orsi, Fernanda Andrade, et al. “Guidance on Diagnosis, Prevention and Treatment of Thromboembolic Complications in COVID-19: a position paper of the Brazilian Society of Thrombosis and Hemostasis and the Thrombosis and Hemostasis Committee of the Brazilian Association of Hematology, Hemotherapy and Cellular Therapy.” Hematology, Transfusion and Cell Therapy (2020).